Saiba o que os planos de saúde não contam sobre os direitos dos autista.
Você que se encontra dentro do espectro autista, ou você que é pai ou mãe atípica, parente de algum grau de uma pessoa autista já deve ter sentido na pele as dificuldades impostas pelos planos de saúde ao buscar atendimento especializado na rede credenciada. Achar profissionais e montar uma equipe multidisciplinar junto a rede credenciada/referenciada e que seja adequada a necessidade de um autista ou qualquer outro paciente com atraso global no desenvolvimento é um verdadeiro desafio, que beira praticamente o impossível, tendo em vista as necessidades dos tratamentos e as especificidades das terapias.
Seja pela indisponibilidade de profissional, pela falta de certificação devida, ou mesmo pela limitação abusiva no tempo de sessão terapêutica, quando não se deparam com a negativa, condutas da operadora que prejudicam o desenvolvimento do beneficiário, principalmente quando estão na infância, prejuízo este que irão levar para toda a vida.
Neste artigo você irá encontrar os esclarecimentos necessários para que Seu plano/seguradora de saúde de fato cumpra a sua contrapartida no contrato que é a prestação do serviço de saúde, em especial no que se refere aos consumidores dentro do espectro autista.
AUTISMO NÃO É DOENÇA PRÉ EXISTENTE
A lei Berenice Piana é um marco na luta pelos direitos das pessoas dentro do espectro, em razão dela, a pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) é considerada pra fins legais pessoa com deficiência (art. 1, parágrafo 2, da lei 12764/2012), ou seja, não estamos falando de uma doença e por essa razão os planos de saúde não podem impor a contratação da cobertura parcial temporária por doença pré-existente. Então não omita a neurodiversidade na declaração de saúde, isso sim pode gerar prejuízos para o consumidor.
Outro ponto a ser lembrado é que os plano de saúde não podem negar a adesão de beneficiário autista. A lei lhe garante acesso aos planos privados de assistência a saúde em razão da condição de pessoa com deficiência (art.5 da lei 12764/2012), diante de uma violação desta natureza caberá uma reclamação a ANS e ainda um Registro de Ocorrência por crime de Discriminação.
Como obter a cobertura completa de todas as terapias necessárias para o tratamento do TEA:
A Lei Berenice Piana, Lei 12764 de 2012, em seu artigo 3º, inciso III, traz como direito da pessoa autista o acesso a ações e serviço de saúde com vista a integral necessidade do indivíduo, com políticas de diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional, acesso a medicamentos, entre outras.
Além disso, a Resolução Normativa 539/2022 da ANS determina ser obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicada pelo médico assistente para tratamento de pacientes que tenham transtornos enquadrados na CID F84, como é o caso dos beneficiários dentro do espectro autista, esta normativa ajustou o anexo II da RN 465 para que as sessões com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fisioterapeutas passassem a serem ilimitadas para pacientes de transtornos globais, o que já vem sendo garantido aos autistas desde 2021 com as alterações trazidas pela RN 469.
O QUE É TERAPIA MULTIDISCIPLINAR E QUAL A IMPORTANCIA DO LAUDO MÉDICO:
O tratamento multidisciplinar consiste na combinação de profissionais de diferentes áreas de expertise, atuando de modo complementar entre si, com objetivo de obtenção da melhor resposta quanto possível do paciente. Uma cooperação entrefonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fisioterapeutas todos guiados pelo diagnostico do médico assistente.
Daí a importância do laudo médico. É este documento o norteador do tratamento do paciente de plano de saúde, dele consta o diagnóstico e as terapias necessárias, e é com ele que o beneficiário deve contatar o plano e solicitar seu atendimento junto a rede.
E SE O TRATAMENTO FOR NEGADO, COMO DEVO PROCEDER?
O Transtorno do Espectro Autista é de cobertura obrigatória segundo o rol da ANS, não havendo razão para negativa de cobertura por parte do plano.
Além disso as terapias multidisciplinares são procedimentos de baixa complexidade ainda que estejamos diante de uma cobertura parcial temporária em razão de outra patologia associada.
Assim, face a negativa cabe a judicialização com pedido de tutela antecipada para que o plano de saúde cumpra a sua obrigação contratual de prestação de saúde.
E SE NÃO HOUVER PROFISSIONAIS NA REDE CREDENCIADA/REFERENCIADA
A Busca pela equipe multidisciplinar junto a rede credenciada/referenciada e que seja adequada a necessidade de um autista ou qualquer outro paciente com atraso global no desenvolvimento é um verdadeiro desafio. De posse do laudo com a indicação terapêutica o beneficiário solicita a operadora a indicação da rede e diante da falta de prestador de serviço a ANS tem normativa sobre o tema.
Quanto a indisponibilidade de prestador na rede assistencial no município do beneficiário, a RN 268/2011 dispõe de modo específico que a operadora deverá garantir atendimento por prestador não integrante da rede e há inclusive previsão de reembolso em determinadas situações. Vale a transcrição:
Da Indisponibilidade de Prestador Integrante da Rede Assistencial no Município” (NR)
” Art. 4º Na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em:
I – prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município; ou
II – prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este.
§ 1º No caso de atendimento por prestador não integrante da rede assistencial, o pagamento do serviço ou procedimento será realizado pela operadora ao prestador do serviço ou do procedimento, mediante acordo entre as partes.
§ 2º Na indisponibilidade de prestador integrante ou não da rede assistencial no mesmo município ou nos municípios limítrofes a este, a operadora deverá garantir o transporte do beneficiário até um prestador apto a realizar o devido atendimento, assim como seu retorno à localidade de origem, respeitados os prazos fixados no art. 3º.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º se aplica ao serviço de urgência e emergência, sem necessidade de autorização prévia, respeitando as Resoluções CONSU nº 8 e 13 , ambas de 3 de novembro de 1998, ou os normativos que vierem a substituí-las.” (NR)
“Subseção II
Da Inexistência de Prestador no Município” (NR)
” Art. 5º Na hipótese de inexistência de prestador, seja ele integrante ou não da rede assistencial, que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir atendimento em:
I – prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este; ou
II – prestador integrante ou não da rede assistencial na região de saúde à qual faz parte o município.
§ 1º Na inexistência de prestadores nas hipóteses listadas nos incisos I e II deste artigo, a operadora deverá garantir o transporte do beneficiário até um prestador apto a realizar o devido atendimento, assim como seu retorno à localidade de origem, respeitados os prazos fixados no art. 3º.
§ 2º Nas hipóteses listadas nos incisos I e II deste artigo, a operadora estará desobrigada a garantir o transporte.” (NR)
” Art. 6º Na hipótese de inexistência de prestador, seja ele integrante ou não da rede assistencial, que ofereça o serviço de urgência e emergência demandado, no mesmo município, nos municípios limítrofes a este e na região de saúde à qual faz parte o município, desde que pertencentes à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o transporte do beneficiário até um prestador apto a realizar o devido atendimento, assim como seu retorno à localidade de origem, respeitado o disposto no inciso XIV do art. 3º.
Parágrafo único. O disposto no caput dispensa a necessidade de autorização prévia, respeitando as Resoluções CONSU nº 08 e 13, de 1998, ou os normativos que vierem a substituí-las.” (NR)
” Art. 9º Na hipótese de descumprimento do disposto nos arts. 4º, 5º ou 6º, caso o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento, a operadora deverá reembolsá-lo integralmente no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da data da solicitação de reembolso, inclusive as despesas com transporte.
§ 1º Para todos os produtos que prevejam a opção de acesso a livre escolha de prestadores, o reembolso será efetuado nos limites do estabelecido contratualmente.
§ 2º Nos produtos onde haja previsão de acesso a livre escolha de prestadores, quando o procedimento solicitado pelo beneficiário não estiver disposto na cláusula de reembolso ou quando não houver previsão contratual de tabela de reembolso, deverá ser observada a regra disposta no caput deste artigo.
§ 3º Nos contratos com previsão de cláusula de co-participação, este valor poderá ser deduzido do reembolso pago ao beneficiário.
§ 4º Nas hipóteses em que existe responsabilidade da operadora em transportar o beneficiário, caso este seja obrigado a arcar com as despesas de transporte, a operadora deverá reembolsá-lo integralmente.
Assim, diante da falta de prestador cabe o reembolso integral das despesas. E não sendo observada a normativa, caberá ao consumidor buscar seus direitos no poder judiciário.
PODE HAVER LIMITAÇAO DE SESSÕES TERAPEUTICAS?
Uma prática muito comum entre as operadoras é a limitação de sessões terapêuticas, reduzindo a carga horaria semanal do paciente, independente da indicação terapêutica do médico assistente, mas isso não deve acontecer
Já mencionamos a RN 539/2022 da que alterou o anexo II da RN 465 para que as sessões com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fisioterapeutas passassem a ilimitadas para pacientes de transtornos globais, e isso abrange as pessoas dentro do espectro. Trata-se de uma abusividade a operadora e o consumidor lesado pode pedir reparação, pedindo seja realizado o tempo adequado tratamento ou , se não for possível, seja realizado o reembolso integral.
COMO FUNCIONA O FORNECIMENTO DE REMÉDIOS, O PLANO DEVE COBRIR MEDICAÇAO DE ALTO CUSTO?
Em um primeiro momento o medicamento de uso domiciliar não está entre as obrigações das operadoras de planos de saúde, salvo os antineoplásticos orais (utilizados para o combate ao câncer) e correlacionados, medicações aplicadas em sistema de internação domiciliar e os listados pela ANS como de fornecimento obrigatório.
Mas já há entendimento da 3ª turma do STJ, e muitos tribunais estaduais, inclusive do TJRJ no sentido de que a operadora de saúde deve sim custear medicamento registrado, mas não listado pela ANS, desde que haja indicação médica da essencialidade do referido medicamento, prevalecendo o Direito a Saúde.
E O CANNABIDIOL PARA AUTISTAS?
O cannabidiol é um fármaco que em alguns casos é essencial na vida da pessoa com TEA, contudo, por estar, ainda, ausente da lista de medicamentos da Anvisa, causa embaraços e negativas de fornecimento por parte dos planos de saúde.
A medida aqui não pode ser diferente além da judicialização baseada em laudo médico fundamentado na real necessidade do medicamento pelo fundamento da prevenção a saúde, e com a quantidade necessária, trazendo orçamentos. O STJ se coloca em posicionamento favorável visto que há a autorização de importação especial deste fármaco aplicando o instituto do DISTINGUISHING em relação ao tema 990, entendendo pela cobertura do tratamento com cannabidiol.
E SE AS TERAPIAS JÁ FORAM INICIADAS FORA DA REDE CREDENCIADA, COMO PROCEDER?
Em muitos casos nos deparamos com cenário da família já ter iniciado as terapias por sua conta e expensas visto a falta de amparo do plano de saúde pelos motivos antes descritos, seja pela indisponibilidade de profissional, pela falta de certificação devida, ou mesmo pela limitação abusiva no tempo de sessão terapêutica, quando não se deparam com a negativa, todos problemas muito recorrente diga-se de passagem, essas condutas da operadora que prejudicam o desenvolvimento do beneficiário, principalmente quando estão na infância, prejuízo este que irão levar para toda a vida, e a preocupação não permite que isso se perpetue e acabem iniciando fora da rede credenciada os atendimentos.
Nesses casos buscamos seja reconhecido o vínculo terapêutico já estabelecido com a pessoa TEA e seus terapeutas já que a mudança abrupta na rotina desses indivíduos pode causar prejuízos incalculáveis.